segunda-feira, 7 de agosto de 2017

manhã na esplanada

Numa esplanada em agosto. 2017. Um ano inesperado. 
Férias, dizem. Mas férias, tem ela durante todo o ano.
 As férias de família para ela acabaram. Uns trabalham. Outros afastaram- se por serem incapazes de reconhecer alguns erros . 
Por muito que sofra, há atitudes e palavras trocadas  que não podem desaparecer da cabeça de quem atingiu os 70 anos, pugnando sempre pela lealdade e pondo a felicidade da família directa acima dos próprios interesses. 
Foi um erro crasso, cometido, apesar das sábias palavras dos mais velhos de então, e que ela não quis ouvir ou não entendeu.
Hoje, a solidão pesa- lhe, mesmo que rodeada de gente. As palavras são caladas tal como os sentimentos de frustração que a habitam. 
Ignorou sinais surgidos, pretendendo não perceber  o significado que realmente continham. 
O marido sempre manifestou , em atitudes e palavras , que apenas a família dele era bem recebida, sem caras amarradas, como dizem os amigos brasileiros, sem gestos bruscos, por -vezes, mesmo agressivos .
 A família dela sempre fora recebida com parcimónia, o que conduziu a muitas discussões e a um calar de sentimentos ao longo dos anos.
Com a idade, tudo se agravou.
 A agilidade foi sendo  cada vez menor, diminuindo na proporção exacta em que o mau humor na presença de outros, que não os seus, aumentava. Nada do que outros ,que não ele, fizessem, estava correcto. Agia como se fosse o único dono da casa que habitava com a mulher, ignorando que tudo fora adquirido por ambos. 
Ela sentia- se pouco à vontade na própria casa. 
Não era apenas uma questão de arrumação ou decoração. Era muito mais do que isso. Não sentia a casa como sua. Era a empregada que não punha o pijama em cima da cama, como ele pretendia. Era o barulho do aspirador que incomodava. Eram as camisas penduradas em cabides nas diversas portas da casa que não podiam sair dali. Era a sala , onde a mesa de jantar mais parecia uma estante , tapada com um toalha bem combinada com a restante mobília, que não se  via, dada  a profusao de jornais, remédios, medidores de tensão , drone e correio por abrir ali depositados. 
Nas costas da cadeiras, os diferentes casacos de malha e camisas que vai vestindo e largando ali para voltar a vestir. 
Todos estes gestos  ela observava, muda.  Tudo  isto a deixava aborrecida mas para evitar azedumes, ia- se calando e desistindo de ter uma casa como sempre tinha desejado e onde os familiares se sentissem bem . Uma casa que pudesse abrir , ao sabor dos dias, a amigos e mesmo conhecidos para um cafezinho, um drinque e uns dedos de conversa. 
Desistiu  de convites, pois sempre que tal acontecesse, o trabalho de ter a sala realmente disponível e agradável era demasiado. 
Jantares, só com familiares directos, e, nessas ocasiões,  ele condescendia em ter uma sala confortável , com espaços, apresentável, metendo tudo quanto cobria a mesa em caixas, cuidadosamente arrumadas num canto qualquer, invisíveis aos olhos da visitas.
 As caixas iam permanecendo nos cantos e a pouco e pouco, quase todos os objectos regressando ao tampo da mesa , comprada há dezenas de anos, em Lisboa, quando ela ainda acreditava numa  harmonia possível de ser criada ao longo dos anos de convívio futuro.
Hoje, na esplanada, ela recorda momentos de felicidade realmente vividos , sentindo - se repleta de nostalgia e simultaneamente furiosa consigo mesma por não ter sido capaz das mudanças que deviam ter ocorrido .
As mesas da esplanada, abrigada dos ventos habituais naquela Praia, estão ocupadas por famílias, por turistas, por grupos mais ou menos numerosos, tomando café, almoçando tostas enquanto as crianças comem gelados e circulam de trotinetas, chamando avós e pais em tons mais ou menos altos, como as crianças fazem despreocupadas e felizes . 
Ela recorda os netos que não estão ali com eles.
 Uma única  mesa ocupada por um casal, com as chávenas de café e a garrafa de água , tomada sempre após a bica , em cima da mesa branca ladeado por á cadeiras vermelhas, de plástico, com a publicidade da marca do café, servido ali. 
Nessa mesa, estão ele e ela. Ele vai lendo o jornal, comprado diariamente embora nem sempre lido com rigor. Ela, escrevendo no iPad, ouvindo as palavras  e risadas  dos outros  clientes, observando o ambiente habitual de férias e recordando um tempo que já não vive nem viverá mais.

 A estrada da vida é cada vez mais curta e ela vai caminhando como pode.

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